Resenha: Depois Daquela Viagem
- Arantxa Torquato
- 22 de jan. de 2018
- 4 min de leitura

Valeria Piazza Polizi é uma garota paulistana, branca, filha de pais separados e de classe média alta. Que começa a nos contar sobre sua história que acontece Depois Daquela Viagem (que não por acaso é o título desse livro) de cruzeiro que fez aos 16 anos. Entre os passeios no navio conhece um cara de 25 anos, pelo qual se vê apaixonada e é claro que a diferença de quase 10 anos não foi problema nenhum para que engatassem num namoro. Acontece que a fase de contos de fadas passa e sem nem se dar conta Valéria acaba presa dentro de um relacionamento hiper abusivo, tendo que lidar constantemente com o ciúme doentio, a imposição de manter relações sexuais sem camisinha e agressões físicas. No fim a coisa fica tao séria que a família presencia uma das cenas de espancamento e põe fim na relação. Enquanto o cara não desiste de ameaça-la de todas as maneiras possíveis.
Passam-se dois anos após esse período que rendeu vários traumas, quando alguns probleminhas de saúde a fazem descobrir que é portadora do vírus da Aids, o HIV. E que o seu ex namorado, o único cara com quem havia tido relações a contaminou. Naquela época era muito difícil conviver com a doença, pois ela era associada à morte, e encarada com muito preconceito pela sociedade, considerada como comum apenas entre gays e praticantes de sexo anal (um outro tabu gigantesco na época), o que não era o caso de Valéria. O preconceito com portadores do vírus no Brasil era absurdo e a falta de apoio dos hospitais e planos de saúde não mostravam perspectiva alguma de melhoria para os infectados. A única palavra associada ao quadro era uma sentença: morte.
Valéria mal havia completado 18 anos quando se viu totalmente perdida e com medo. Medo do pouco tempo que lhe restava (uma expectativa de no máximo uma década) e de como seria contar para as pessoas sobre a doença. A pressão e insegurança foi tanta que ela preferiu não iniciar tratamento nenhum, temendo as reações que poderia ter e nem contar nada para aos amigos e parentes mais próximos.
"Mas vai tentar ser normal ouvindo todo dia a AIDS mata, a AIDS é o mal do século, vamos acabar com a AIDS. Até parece que as pessoas esquecem que o vírus está dentro de mim, que a AIDS só existe porque eu existo, se eu morresse, o vírus também morreria. Ou seja, de certa forma eu sou a AIDS."
Ela decide então que a melhor escolha é fugir por aí. Larga a faculdade e embarca rumo aos Estados Unidos para cursar inglês e poder recomeçar em um canto onde ninguém a conhecesse. E então tudo muda.
Na Terra do tio Sam ela faz novos amigos, aprende e conhece sobre outras culturas e descobre coisas que a fazem querer viver. E um dos personagens importantes nesse despertar de vontade é Lucas. Um rapaz sueco, apaixonado por trilhas, meditação e pela vida tranquila. Sempre mostrando o lado mais calmo de viver cada dia, longe de tudo e de todos, a serenidade e calmaria interior que são decisivas para clarear as ideias da moça.
E é durante esse processo de se reencontrar e entender a diferença entre vários sabores de Coca-Cola que ela descobre que sim, dá pra viver muito bem com essa tal de Aids. E que tem gente disposta a explicar tudo o que está acontecendo dentro do seu corpo (espero que gostem do Doutor Anjo tanto quanto eu) e não somente obriga-lá a fazer o que tem que ser feito. Ela pode escolher.
Porém, após contrair uma febre e um mal estar que não se cura, ela volta para o Brasil e assim que chega é internada às pressas. Passa por uma experiência de quase morte e percebe o quanto vale a pena lutar e conseguir forças para continuar aqui. Que as pessoas verdadeiras vão permanecer ao seu lado não importa o motivo e que agora não há razões para não iniciar um tratamento.
Esse foi o primeiro livro com mais de 100 páginas que li. Eu tinha 10 anos (talvez um pouco inapropriado para minha idade rs) quando o encontrei na estante do meu pai e não desgrudei até terminar de ler. Depois daquela viagem é o meu livro favorito no mundo todo e que não canso de recomendar a todos que posso. Foi a única obra que consegui reler, uma aos 16 e outra aos 19 anos. E em cada uma das leituras foi uma experiência nova.
Ele é aquele tipo de livro que sempre permanece atual, e que na minha opinião deveria ser dado de presente a todo jovem. É sem dúvida cheio de significado, carregando e levantando muitos debates, não deixando de lado pitadas de comédia e romance. É completinho. Um livro que trata de temas muito atuais como Violência feminina, Vestibular, Homofobia, Preconceito racial, A falta de informação relacionada ao sexo, Relacionamento abusivo e até a Importância de se estudar inglês.
Tenho certeza que depois dessa leitura você vai repensar muito a maneira como enxerga outras pessoas e também como se enxerga. E perceber que a vida é de fato para ser vivida.
ISBN: 850808742 Ano: 2003 / Páginas: 290 Idioma: português Editora: Ática Drama Nota: 5/5
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